sexta-feira, 21 de maio de 2010

Semeando-se

Depois de passar os últimos cinco anos quebrando a cara em relacionamentos estéreis, Marina Mariflor finalmente se decidira: se tornaria árvore e passaria a viver como tal.

Inabalável, juntou três pequenas pás, um saco de terra, um punhado de adubo e um vaso de barro – rústico, porém simpático –, onde suas futuras e esperançosas raízes pudessem caber e com folga crescer.

Ainda inabalável, encheu um balde com água até a boca e esperou pelo nascer do próximo dia, no exato momento em que o sol se revelava ao mundo sob o auge de sua boa (e brilhante) vontade.

Imutavelmente inabalável, encheu o vaso com a terra, despejou um pouco de água, adubo e misturou tudo com as próprias mãos – futuramente seus graciosos galhos – para garantir que não lhe faltariam nutrientes ao longo de sua nova e amadeirada vida.

Por fim, plantou-se. Retifico: semeou-se. Sua vida floresceu, literalmente: a pele engrossou até casca virar; o cabelo esverdeou até folha s’abrir; as raízes cresceram até o vaso romper; e o coração vegetalizou-se até a tristeza escassear.

Séculos mais tarde, após ter sido desrespeitosamente cortada em tábuas por uma madeireira clandestina, Marina Mariflor ainda era uma estante de mogno insuperavelmente feliz, obrigado.