quinta-feira, 26 de maio de 2011

Pelo reencontro

De toda a série de agonias mortais a que somos expostos antes do coração parar de bater no peito, certamente a mais cruel é a inevitabilidade do reencontro. Pois, se há alguma verdade nesse mundo, é essa: a de que todos estamos fadados a nos reencontrar, tenha sido a última despedida feita de maneira indiferente, insultante ou civilizada. Todos iremos nos rever e, no momento dramático em que avistamos (e somos avistados pel)a outra metade que compõe o reencontro, perderemos tanto o fôlego quanto a paz estomacal - isso pra não mencionar o pesadelo do suor nas mãos.

Ainda na linha da agonia, feliz fui eu, masoquista que sou, por ter aproveitado cada centímetro de constrangimento quando te abracei novamente e percebi que, talvez com a atitude adequada, poderia ter uma vez mais a morenice plena do seu corpo se contorcendo na obscuridade perfumada e mal-afamada da minha cama.

E eu sabia que teria. Não importava que tivesse de cancelar todas as opções libertinas planejadas para mais tarde. Por hoje, meu triunfo seria te ter inteiramente. Te ter novamente.

Então adeus à agonia, adeus àquele namoro pueril em que por vezes fui obrigado a frustrar minha primitividade e solucionar os dramas morais que você tinha com o seu próprio corpo. Nessa noite sem rodeios, compassada pela arte do que aprendemos durantes esses quatro anos em que a razão nos manteve separados, seríamos dominados - ou melhor, seríamos executados - pelo regime ditatorial da nossa recém-adquirida fome de gente.

Horas depois, quando na manhã implacável que nos persegue desde o outro lado do mundo, acordaríamos ao lado de um estranho: eu pra você e você pra mim. Nos despediríamos civilizadamente, afinal, pra que criar caso? Pra que ter um caso? Agora somos solteiros profissionais que sabem separar as coisas muito bem e que entendem dessa tal de diplomacia pós-flashback.

Se é assim que manda o protocolo, então tá. Tchau.



PS: seria a agonia opcional? Ora, é claro que não. Só é opcional o prazer que buscar aliviar a agonia mútua desse destino nefasto que rege o reecontro. O resto é conversa fiada.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Banguela Arlequim

O Arlequim sobe as ruas de subidas acentuadas,
ajeita a gola de um algodão descolorido,
ressona o guizo que balança do chocalho
e na graça de Colombina improvis’um sorriso.

O Arlequim corre a rua de ladeiras acetinadas,
torce os ligamentos do tendão enfraquecido,
espatifa a cara entre as pedras do cascalho,
maquiando o mundo com um rubro indeciso.