segunda-feira, 18 de agosto de 2008

De oito em oito anos

De oito em oito anos nos encontramos; de oito em oito anos nos explicamos. E, de oito em oito anos, nos perdemos.

Ela:

Havia muito tempo que não nos víamos. Você disse que eram oito anos, e tá bom, eu acredito; mas isso não explica nada, não explica como você pode me conhecer tão bem, não explica como pode me explicar assim, assim. As palavras, o jeito, as colocações - é como se me espionasse, me vigiasse invisível e intangível. Bruxo, bruxo.

Mas ah, sei dos seus truques. E mesmo que não saiba, finjo que sei, já que na nossa situação isso não faz diferença. Não te conheço, é quase um estranho, um cigano maltrapilho com brinco na orelha e ar de mistério.


Ele:

Não presto atenção, não noto, mas me apaixono numa questão de minutos - e com você não foi diferente, foi? Espera, respondo: não foi. Eu só queria descansar, mas você veio e puxou papo, ficou falando de um monte de coisas, falando sem parar, e quando eu vi, pronto: tava reparando no seu cabelo, nos gestos das mãos, no fino dos lábios, no fundo luminiscente dos olhos. Reparei até no tênis, e nas meias, que eram muito bonitas. Só não reparei quando te quis, e nesse ponto já era tarde: te analisei, interpretei, disse coisas inteligentes, bonitas também, disse o diabo, e deixei o sol se por no seu rosto, vermelho e dourado. Você gostou, e antes de se despedir disse "bom, até daqui a oito anos".

Oito anos? Não, eu menti, eram só três. Mas na nossa situação, isso não faz diferença.

domingo, 10 de agosto de 2008

A (ins)ciência dos vícios

Já quebrei meus grilhões, dirás talvez. Também o cão, com grande esforço, arranca-se da cadeia e foge. Mas, preso à coleira, vai arrastando um bom pedaço da corrente.

-Pérsio - Sat. V - 158

Procuro me livrar dos vícios de qualquer jeito, nem que seja inventando outros vícios. É porque prefiro inovar nos erros, pelo menos eu não erro duas vezes da mesma forma. Funciona? Óbvio, não funciona. Venho com esse papo pra cima de qualquer um, é claro, mas só eu sei que não passa de um embuste, de uma farsa. Meus vícios não têm mistério - são invencíveis e pronto (ponto).

Somar é fácil, enquanto que subtrair - ah!, subtrair é quase um orgasmo, e disso eu entendo. E se sou vulgar, é porque posso sê-lo: sempre o fui, sempre com cuidado, e todo o pudor do mundo jamais me pôde desmascarar. Mas isso também não é merda nenhuma, já que o pudor é uma coisa totalmente acéfala; mas vulgaridade, pra
isso sim é preciso de inteligência, muito embora haja também versões burras e vulgares de vulgaridade. E acrescento que dessas versões meus vícios não se sustentam, e confesso que parte do meu prazer reside na vã qualidade dessas coisas.