terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Feridas ornamentais

Tatuagens são feridas ornamentais.

Nenhuma tatuagem no meu corpo. Mas creio que houve uma época, muito distante de hoje, em que tive tatuagens, muitas delas, cobrindo a pele em várias direções.

Não eram tatuagens com desenhos frívolos, fúteis, dessas que as pessoas exibem hoje em dia com intenções igualmente frívolas e fúteis, espalhadas pelo corpo num ordenamento sem qualquer sentido. Não mesmo. As minhas se distinguiam por inúmeras razões.

Primeiro, o local da tatuagem obedecia à forma do corpo, respeitando a geometria delicada segundo a qual fomos criados.

Segundo, eram desenhos de símbolos profundos, por vezes complexos, às vezes incompreensíveis, que falavam, à sua maneira, sobre nossas origens neste mundo, sobre as origens desse próprio mundo, sobre os ossos e as entranhas dos deuses que emprestaram suas formas à terra.

Terceiro, só eram permitidas aos sacerdotes e, mesmo assim, somente àqueles capazes de suportar, até o fim de suas vidas, o peso de tantas verdades sobre a vida gravadas irreversivelmente e tão a fundo na própria carne.

Mas hoje, no meu corpo, não há nenhuma tatuagem definitiva. Já fiz várias, todas com caneta de tinta azul, que se apagavam no primeiro banho e abandonavam minha pela nua, limpa de memórias.

Tatuagem são feridas ornamentais que - como é comum às feridas - demarcam os limites de nossa própria estória.



PS: Este texto, é claro, concorre ao posto de texto mais nonsense que já escrevi.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Near wild heaven

Na beira de um precipício. E com um medo fodido de pular.

Dizer adeus sempre foi uma droga. Mas hoje, percebendo e sentindo a vida como uma coisa completamente diferente, sabendo de coisas que nunca imaginei que pudessem existir, tendo conhecido uma porção de formas bacanas de pensar, hoje, percebo que dizer adeus continua sendo, sim, uma belíssima droga.

É nessas horas que vejo, em retrospectiva, como a gente praticamente só tem idéias idiotas e apalermadas. Pensei, sinceramente, que seria capaz de fazer um ano de doutorado longe de casa sem criar qualquer laço ou vestígio de amizade duradoura. Juro que pensei. Também pensei que requeijão e geléia de abacaxi combinassem juntos. Não combinam não, de jeito nenhum. Mas isso é outra estória.

O fato é que, em maior ou em menor escala, geralmente supomos que sabemos o suficiente, que agora sim somos espertos, que daqui em diante não seremos mais pegos de surpresa pela vida... vou te dizer uma coisa sobre a vida: ela é cem por cento previsível. Sim, previsível. Ela sempre vai fazer algo pelo qual você não está esperando.

Parafraseando R.E.M. (cujas letras e melodias são ótimas, diga-se de passagem):

And I always thought that it would make me smarter
But it's only made me harder
My heart thrown open wide
In this near wild heaven
Not near enough…



PS: Foi um prazer, meus caros.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Coisas frágeis

Não posso negar essa idolatria, essa predileção pela substância do ínfimo e do fugaz. Sinto prazer na ausência de valor, nos detalhes perdidos, na breviedade daquilo que acabou de ser e que, agora, foi.

No completo oposto da abundância, é exatamente a imposição de um limite - a morte, talvez - que permite a noção de intensidade, de paixão e de cor. Já a inexistência de uma fronteira nos desorienta, nos deixa sem ação. Bem ou mal, você sabe que é assim. Não se pode negar o quanto o livre arbítrio, em seu estado mais puro e inexorável, constitui uma idéia completamente aterrorizante.

É claro que soa absurdo. Mas só porque, em geral, nos foi possível escolher cativeiros que tivessem confortos. Confortos como televisão, água quente, internet, etc - e o mais importante, paredes invisíveis e discretas. Paredes que, enquanto transparentes, nos deixem perceber (e nos sentirmos esmagados pel)a vastidão opressora do mundo.

Contraditoriamente, porém, é no somente no horizonte que o sol se põe.

Mas isso não significa nada, é claro.