Noite, sentados um de frente para o outro.
Seu olhar divido em duas claras e esverdeadas profundezas, abismos vertiginosos que davam vista a uma alma permanentemente excitada. Não me tolhi do direito de afundar cada vez mais na sua força, sua feminilidade genuína, enquanto alisava com as mãos a porção rubra do seu cabelo. Me coloquei mais perto dela e senti no meu rosto sua respiração em lufadas quentes, as bocas muito próximas e em perfeita estática. Mudou suas pernas de posição, seus braços se afastaram do colo, deixando as mãos sobre os joelhos.
Meu coração tropeçava, quicando e quase me causando dor: podia ouvi-lo? Em certos momentos, quando deitava sozinho na cama, eu jurava ser capaz de sentir meu coração reverberando no colchão, no estrado de madeira, pelas paredes do quarto e nos encanamentos por trás dos tijolos do mundo. Podia ela sentir também? Seria possível que risse de mim, desse meu terremoto íntimo? Meu coração é um titã encarcerado, uma besta alada entre as costelas - você escuta?
Entrecerraram-se os abismos, olhos fechados por um instante, um momento de espera. A própria noite à espera, assim como tudo mais: a grama e as plantas, a paisagem distante, o firmamento nublado, Júpiter, Saturno e Urano. Toda a criação silenciara, à exceção dos grilos. Meu Deus, quanta consciência disso tudo, quanta sobriedade. O rubor do meu rosto derreteria metais.
Pausa. Pausa inesgotável que precede o êxtase. A insinuação da dúvida, a insegurança das apostas, o vazio preenchido pelo abandono da certeza. A máxima sensibilidade.
Empurrei-me para frente, lançando-me de encontro ao destino fresco do seu beijo, dedos embrenhando-se entre as mechas recém-cortadas e descendo até o pescoço alvo, a nuca. Por muito tempo permaneci assim, explorando com curiosidade as idiossincrasias dos seus lábios, da sua saliva adocicada, procurando pela língua tímida e pelos cantos da boca, beijando também as bochechas, o queixo, as maçãs delicadas do rosto. Beijei inclusive os olhos, aquelas pálidas e profundas esmeraldas, me sentindo tal qual um Lúcifer que caía das torres da Cidade de Prata em direção a outra espécie ainda mais selvagem de paraíso - um anjo em queda ascendente, na momentânea inutilidade de todos os infernos.
sábado, 17 de setembro de 2011
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2 comentários:
Às vezes, o momento da queda é o mais próximo que podemos estar da nossa própria paz.
Às vezes, é o mais insensível que podemos estar quanto à nossa própria dor.
E às vezes, acho que seu cabelo fica melhor curto.
você anda inspirado.
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