quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Noite balneária

... and I see you beneath the shades of smoke...

Menta e um sabor ressecado de cerveja se revezam no fundo da garganta, causando enjôos intermitentes que não sei se cessarão ou se aumentarão até que por fim eu vomite (isso apesar deles sempre cessarem). No fraco lume agonizante do cigarro anterior acendo o próximo, abastonado, novo, reluzente de promessas e escolhas que possuem prazo certo para se degradarem em longas baforadas de fumaça clara. E te vejo brilhando difusa, parcialmente etérea por detrás dessa névoa atabacada, ora se destacando em terrível majestade, ora se escondendo entre os novelos de fumaça, ora se mesclando ao nada, se repetindo bêbada em gracejos pessimistas e recordando músicos e músicas de uma juventude de outrora e ancestral.

Que necessidade é mais inútil? Qual a mais redonda das cores? Em qual palavra se vê mais recheio?

A noite – sempre generosa, materna e libertina – fecha seu cerco por sobre nossos debates, estrangulando habilmente para fora do tronco a seiva fresca dessa vontade de viver, amanhecendo a si mesma no santo suicídio de nossa nudez para o real. Desacalentados, percebemos que, embora sim-só-se-viva-uma-vez, essa vez acaba de ser: foi vivida nessa noite e perdeu-se. Embalados em embalagens vazias, descartáveis e agora inúteis, rarefeitos de dignidade, rastejamos para este novo dia abrilhantado de sol, opressor de tão azul, que, ignorante de toda forma de piedade, insiste na estranheza de nos fazer livres.

Nenhum comentário: