terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Feridas ornamentais

Tatuagens são feridas ornamentais.

Nenhuma tatuagem no meu corpo. Mas creio que houve uma época, muito distante de hoje, em que tive tatuagens, muitas delas, cobrindo a pele em várias direções.

Não eram tatuagens com desenhos frívolos, fúteis, dessas que as pessoas exibem hoje em dia com intenções igualmente frívolas e fúteis, espalhadas pelo corpo num ordenamento sem qualquer sentido. Não mesmo. As minhas se distinguiam por inúmeras razões.

Primeiro, o local da tatuagem obedecia à forma do corpo, respeitando a geometria delicada segundo a qual fomos criados.

Segundo, eram desenhos de símbolos profundos, por vezes complexos, às vezes incompreensíveis, que falavam, à sua maneira, sobre nossas origens neste mundo, sobre as origens desse próprio mundo, sobre os ossos e as entranhas dos deuses que emprestaram suas formas à terra.

Terceiro, só eram permitidas aos sacerdotes e, mesmo assim, somente àqueles capazes de suportar, até o fim de suas vidas, o peso de tantas verdades sobre a vida gravadas irreversivelmente e tão a fundo na própria carne.

Mas hoje, no meu corpo, não há nenhuma tatuagem definitiva. Já fiz várias, todas com caneta de tinta azul, que se apagavam no primeiro banho e abandonavam minha pela nua, limpa de memórias.

Tatuagem são feridas ornamentais que - como é comum às feridas - demarcam os limites de nossa própria estória.



PS: Este texto, é claro, concorre ao posto de texto mais nonsense que já escrevi.

3 comentários:

Unknown disse...

cada vez que entro a tu blog, me quedo de verdad muy contenta de leer lo que escribes, es muy bueno =)

muchos besos...

y de verdad muchas saudades también...

Cissa disse...

é que o que marca nem sempre está muito exposto.

Annalies disse...

Nosso livrocorpo, não é mesmo?
Escrevemos e apagamos tantas vezes...
Você escreve muito bem, isso não é novidade! :D
Um matemático poeta, affff...
Sou fã!
Beijos!