terça-feira, 30 de março de 2010
Estupidez de Arlequim
acorrentaram-me enfim,
forçando-me uma aliança
de um rubro carmesim.
Mas finda a nossa transa,
pensei numa besteira assim:
pesa o que sinto contigo,
não a pena que tem de mim.
E sobretudo o que me lança
é essa estupidez de Arlequim,
pois na Itália ou na França,
meu destino é um triste fim:
que por espada ou por lança
não morrerei espadachim
mas, traído numa dança,
ver-te-ei rindo de mim.
sábado, 20 de março de 2010
Rock irlandês pra me libertar
Me espremi pelo congestionamento humano, abrindo caminho por entre vulgaridades gratuitas e outras nem tanto, entre rostos mais jovens e outros nem tanto, entre all stars puídos e outros nem tanto (o meu era puído, além de verde; ora, era Saint Patrick's Day!).
Esperamos. Na verdade, quase morremos de esperar. Mas o show começou, afinal.
Whisky in a Jar. Música, Piratas e Rum. Shipping Up to Boston. Cuitelinho(?!). Eruption! Dueling Banjos... meu, Dueling Banjos! Música celta com ritmo de baião, e acordeon, e flauta, e violino, e banjo, e guitarra, e bateria, e rabeca, e... e... doidera! Simplesmente sensacional.
- Baterista.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Killing lies¹
Ela não havia acordado cedo nem cumprido suas próprias metas; passara o dia boiando à deriva, prostrada por si, proscrita em si, afogando-se numa maré agradável de memórias mornas. Segundo Virginia Woolf, ela mergulhara como que por completo num clima crepuscular de afáveis reminiscências.
Até hoje, nada a tinha assustado tanto quanto a...
Pensar enlouquece, e ela pensa nisso. Pensa tanto que, tomada por um acesso sufocante de remorso, retoma rapidamente todas as suas obrigações e afazeres, escaldando a própria depressão numa sucessão de xícaras quentes e transbordantes de café espresso².
Até hoje, nada a tinha assustado tanto quanto a inequivocável sensação de que...
A paixão é justificada, seja isso efêmero ou perpétuo. Pois ela se mortifica ao vê-lo caminhando na sua direção, semblante sorridente, vindo (desinteressado) beijá-la e abraçá-la como se não houvessem, ainda ontem, compartilhado o sono etílico dos boêmios.
Até hoje, nada a tinha assustado tanto quanto a inequivocável sensação de que dormira nos braços dele a noite mais ímpar (de todas as muitas e muitas noites que fizeram parte) de sua vida.
¹: sim, o título é (outra...) música do The Strokes.
²: para o meu total desespero, é com "s" mesmo.
quarta-feira, 3 de março de 2010
Amoras partidas
São as sapatilhas finas de um tecido escuro que deslizam leves pelo salão, aceitando com presteza todos os movimentos que partem da minha dança. Não são os olhos que me impressionam, nem a boca de amoras firmes, nem os cabelos macios; não. Assim fosse, mais fácil seria conter dentro de mim essa atração perfumada da carne. O que de fato me impressiona é a leveza do seu corpo jovem, sempre seguida de gracejos e sorrisos cobiçosos (cobiça sensual e infantil, transcendental; uma cobiça do tipo que não se vê no rosto dos mortais).
Perco as rédeas dos meus passos e, após um giro breve, sinto seu corpo quente colado ao meu, suado, num abraço apertado. Meu desejo timidamente implora: quero que me sinta como eu te sinto, cinto em volta da cintura, desafivelado, palpitante. Mas é você quem, curiosamente, beija minha boca exatamente como eu te beijaria, de corpo inteiro, totalmente às avessas do machismo barato que se ensina nos livros e nas escolas; e tudo quanto há em mim, carne e sentidos, é dominado com opulência pelos contornos finos de sua orquestra de lábios, saliva e respiração.
Prometo que não faremos amor, pelo menos não hoje, e uma parte sombria de você se derrete ante a possibilidade de estar diante não de um animal no cio, mas de um homem que finalmente fosse capaz de respeitar e contornar seus assustadores abismos de feminilidade – isto é, alguém que pudesse depreender de você o que nem você nem ninguém haviam conseguido até hoje. Mas tal derretimento é fugaz e, cobrindo-se novamente no íntimo com recentes pessimismos, você se despede (e me despede) com um beijo menos empolgado do que o esperado, meio cruel, alegando que a hora é avançada e que o sol já nasce no horizonte.
E, coincidência ou não, é a voz agradavelmente cavernosa de Julian Casablancas que sai dos alto-falantes do carro, explicando na volta pra casa:
Razor blade, that's what I call love:
I bet you pick it up and mess around with it
If I put it down
It gets extremely complicated
Anything to forget everything…
PS: A dor de estômago (não deveria, mas) me põe mais romântico. Irônico, não?